terça-feira, 2 de maio de 2017

Dúvidas

E no fim do dia
Depois de todo o teatro
Enterras o corpo na brancura.

No fim do dia
Quando tiras a mascara
E deslizas pelo algodão.

Quando o sol se põe
As dúvidas da tua autenticidade subsistem
Como pequenos monstros que roem a pele
Que consomem os ossos.
Que mastigam o cérebro.

No fim do dia, não sei quem sou.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Ausência

Era já noite quando percebi
A cama vazia
O prato na mesa
E o meu rosto que não sorria

Era já breu quando encontrei
O vazio nada que me deixaste
O leito frio onde me deitei
E a noite escura onde te ancoraste

Era escuro quando me deixei
Sedosa e serena a cama a enfeitar,
Dormindo tranquila no sono fiquei
Pois sabia que jamais irias voltar.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Braseiro

Pontas dos dedos em brasa.

Tocam e queimam-me a pele.

Devagar, como a medo aproximo-me e recuo, com a cadência das marés.

Porque esses dedos queimam como ferros que marcam.
Talvez por isso custem tanto as feridas a passar.

Por isso e por nunca recuar.
Sustento a cadência da gravidade lunar, que puxa-me para ti.

Fico só mais um pouco, no calor do teu braseiro.
Mesmo que não saibas, aqueço-me por inteiro.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Saudade

Repetida.
Sentida.
Como quem sabe de cor o traço da tua boca.
A ausência do sabor dentro da minha boca, misturado com o meu.
A carência da segurança ilusória dos teus braços.
Aquela dança ensaiada de toques, de murmúrios, de cadências e nelas todas a privação da entrega.
Porque pertences a ti e só a ti.
Porque nem naqueles momentos suspirados consegues escapar dessa redoma que és só tu.
Distante, errante, dono do mundo e de tudo o que ele contém.
E no entanto ela vem. Como eu.
Silenciosa enreda-se no meu cabelo e fica, puxando-me para ti.
Repetida e sentida, tua.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Invisíveis.

Hoje vejo-os a todos. Aqueles que passam devagar, que ninguém vê ou quer olhar.
Porque em cada um deles há um pouco de mim, deste ser pequeno e invisível que me consome.
Há dias, que do meu grande tamanho, sou tão pequena que receio ser esmagada pelo mundo.
Pequena na falta de ambição e sonhos, pequena na chama que falta cá dentro.
E nesses dias, sou invisível, como só alguém como eu pode ser.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Sol de Inverno

Um raio de sol tímido entra no quarto.
Estendida, deixo que beije todos os lugares que eram dedicados a ti.
Aquece, mas não tem o mesmo sabor que a tua boca.
Avança, devagar por cada milimetro, quente, mas sem chegar a queimar.
Aninho-me na sua luz fria.
Lá fora começa a chover, sei que este calor não tardará a desaparecer... Mas continua o sol a beijar-me, quente e gentil.
Agora só a chuva, forte, fria, encharca o mundo inteiro.